Na última quinta-feira recebi um telefonema da ilha do Corvo que era, no mínimo, preocupante. Depois de informado que havia algo por trás da ilha que não se movia, “parecia um navio encalhado”, o meu interlocutor disse-me que estava tão escondido “atrás da terra” que os próprios corvinos não conseguiram perceber inicialmente do que se tratava. “Foram os florentinos que, com melhor ângulo, nos avisaram”. Ele, que tinha acabado de ir às terras altas verificar, disse-me “temos ilhéus novos no Corvo!”
Por sorte, fui designado para ir ao Corvo verificar no local qual o evoluir inicial pós derrocada. Também por sorte, o comandante e copiloto do avião que me transportou ao Corvo fizeram uma boa aproximação ao local do evento permitindo, desde logo, obter bons registos fotográficos. Um simples olhar para as fotografias de 2010, data da última derrocada digna de registo, e os registos agora obtidos ficou evidente o que tinha acontecido. Mais pesada por causa das intensas chuvas e ventos fortes do início da semana, uma massa com cerca de 150 mil toneladas havia deslizado pela encosta noroeste da ilha do Corvo, projetando-se mar dentro e formando um conjunto de ilhéus dispostos em semicírculo.
Restava uma pergunta. Como é que esta enorme massa geológica se pode deslocar sem que ninguém notasse? A resposta parece jazer nas condições meteorológicas que se verificavam no próprio dia do evento. Durante um período bem definido, para além da precipitação e dos ventos fortes, associou-se uma enorme trovoada. Quem sabe se um daqueles trovões, na realidade, não foi este deslocamento? Não podemos ter a certeza da resposta, mas isso constituiria uma boa explicação.
Estava agora no Corvo. Aproveitando a deslocação da lancha da Marinha colocada na ilha das Flores aos novos ilhéus, embarquei e, nas imediações dos ilhéus, verifiquei pela sonda como se distribuía a mancha de sedimentos em profundidade. Nitidamente, cerca da batimétrica dos vinte metros havia um abrupto salto para a dúzia de metros. Era ali que começava a plataforma dos novos ilhéus. O estado do mar não estava propício e, por isso, não foi possível desembarcar. De qualquer forma, no dia anterior, já um residente no Corvo lá havia ido “reclamar” as novas terras. Ali está o mais recente território açoriano. Ali, à minha frente, começa Portugal!
No domingo, aproveitando o bom tempo, e não podendo fazer o que realmente me apetecia, que era desembarcar na Ilha Nova, resolvi atravessar o Caldeirão e ir até ao ponto sobrejacente à derrocada. Não sei o que era mais intenso: o cansaço do trajeto até ao local, a instabilidade do topo da arriba (sentia o reverberar dos meus próprios passos…), o ouvir de permanentes pequenos deslizamentos de terras sobre a encosta externa ao Caldeirão ou a deslumbrante paisagem que me rodeava por todos os lados. No final, a quem me perguntou, respondi “Vale a pena, recomendo e desaconselho…” Com esta forma contraditória tentei transmitir o que sentia, ou seja, apesar de perigosíssimo, não trocava aquele passeio por nada.
Há, na vida, muitas coisas assim, que associam o perigo extremo ao enorme prazer. Ao estar ali, numa arriba com quinhentos metros de altura, penso ter entendido o que sentem os “conquistadores do inútil”. Porquê subir ao topo de uma montanha ou mergulhar às profundezas do oceano? A resposta apenas a entende quem já lá foi. No domingo eu estive novamente num desses sítios!